sábado, 24 de outubro de 2009

Ciência: a diferença entre o debate e a divulgação efetiva

O post deste sábado vai falar de um assunto bastante familiar a este blog: a Divulgação Científica.

E o que é divulgar ciência? É recontextualizar o conhecimento científico para o âmbito público, ou seja, tornar a informação científica compreensível para quem não é um cientista, aproximando esse conhecimento do seu cotidiano. Essa foi a definição usada pela professora do departamento de letras da UFV, Dra. Cristiane Cataldi, em sua pesquisa de doutorado. Os estudos feitos por ela na Espanha e no Brasil são o nosso tema de hoje.

Em 1999, Cataldi iniciou o seu doutorado na Universidade Pompeu Faba, em Barcelona, Espanha. O foco de seu trabalho foi a análise do discurso no jornalismo científico. Diferente do que trata o sobreHumanas, o tema de ciência escolhido por ela está ligado às ciências biológicas, mais especificamente, os alimentos transgênicos.

No período de 1999 a 2000, este assunto foi discutido na Europa e gerou muita polêmica. Logo a discussão também estaria presente no Brasil. Na Espanha, Cataldi analisou os jornais impressos El pais (em espanhol) e La Vanguardia (em espanhol). Ao terminar seu doutorado e retornar ao Brasil, nos anos de 2007 e 2008 ela iniciou esta mesma análise, juntamente com as bolsistas Leilane Morais de Oliveira e Luciene da Silva Dias, com os jornais impressos O Globo, Folha de São Paulo e Zero Hora. Com o resultado das duas pesquisas Cataldi realizou uma análise contrastiva dos jornais brasileiros com os veículos espanhóis. Os resultados, na maior parte das vezes, se repetiram.

Antes de analisar o discurso foi estudado o conteúdo, avaliando categorias de caráter identificativo e descritivo e outras de caráter lingüístico.

Os critérios jornalísticos para seleção de uma notícia também foram observados. Segundo Cataldi, não é toda informação sobre ciência que vai se tornar noticia. A informação ganha as páginas dos jornais quando há a repercussão nos âmbitos social, econômico, jurídico ou político.

Nesta fase veio a primeira surpresa. Apenas 5% dos textos analisados correspondiam à divulgação cientifica. Os outros 95% tratavam de assuntos econômicos, políticos, jurídicos entre outros. Para Cataldi, isso acontece, por conta do debate em torno do tema. O que se destacou no acontecimento foi a discussão gerada.

O interesse econômico também pode ser percebido como critério fundamental para a divulgação das notícias. Os alimentos transgênicos provenientes dos EUA entrariam na Europa via Espanha e Inglaterra, uma vez que os outros países se posicionavam contrariamente a comercialização destes gêneros. A Espanha seria economicamente favorecida com a legalização dos produtos.

Na análise discursiva, o objetivo era identificar as estratégias de divulgação presentes nestes jornais. Mas apenas uma estratégia foi identificada, a avaliação denominativa. Isto quer dizer, a forma como os jornais se referem aos transgênicos, como eles são chamados.

Os setores favoráveis trouxeram denominações positivas como organismos domesticados geneticamente, para os cientistas, e proteção contra insetos, para as empresas de biotecnologia. Organismos políticos se dividem de acordo com seu posicionamento, mas na maioria dos casos são favoráveis. Apenas os ecologistas são extremamente contrários aos transgênicos e usam termos negativos como monstruosidades dos produtos alterados, comida Frank Stein.

Outra análise interessante se refere ao desenvolvimento e volume dos conteúdos. La vanguardia somente noticiou, utilizando principalmente as notas, apenas para cumprir com a pauta jornalística, enquanto o El pais aprofundou o debate. No Brasil, o Jornal Zero hora teve a publicação mais expressiva, enquanto O Globo praticamente não noticiou.

A posição política ou econômica destes veículos pode explicar essas abordagens diferenciadas. O El pais é um veículo favorável ao governo espanhol, que defendia o uso da transgenia, e o Zero Hora é um veiculo do Rio Grande do Sul, região com grande quantidade de plantações de transgênicos.

Os resultados dessa pesquisa mostram a diversidade da produção jornalística com relação a ciência e evidenciam uma necessidade de rever o jornalismo científico praticado nos veículos impressos não especializados no assunto. Os preceitos da divulgação científica são deixados de lado para atender interesses que nem sempre correspondem ao que sociedade necessita e sem o cuidado devido na apuração e publicação.

“A sociedade precisa de informação de caráter científico e precisa de profissionais que analisem como essas informações estão sendo divulgadas, principalmente na mídia impressa. Fazer essas análises considerando a divulgação cientifica na mídia impressa é muito importante porque o conhecimento cientifico depende do respaldo e da confiança da sociedade para continuar sendo desenvolvidos. Se minimamente a sociedade não tomar conhecimento para se posicionar a favor ou contra o conhecimento cientifico, os cientistas não terão esse respaldo” (Cataldi)

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